sábado, 11 de agosto de 2018

Música

Já há algum tempo que não passo por aqui. Mas há pouco tempo pediram-me para escrever. De vez em quando fazem-no. Não muitas vezes. Mas quando o fazem, sinto-me em dívida para com essas pessoas. Dizer que não escrevo porque não tenho tempo é um eufemismo. Não escrevo porque escrever é difícil. Exige-me, mais do que tempo, tempo para parar, para concentrar, para reflectir, para exteriorizar, para aperfeiçoar. Requer de mim próprio um estado emocional particular. 
É a música que me cria esse estado de espírito. Que me eleva do piso térreo da consciência, que me coloca as ideias em perspectiva, que me aumenta os sentidos.  
Nunca fui extraordinariamente musical.  Na infância recordo-me de ter tido aulas de piano e pouco mais. Não posso dizer que tenha música no corpo. A minha relação com a dança é péssima e até à adolescência a música nunca foi algo de importante na minha vida. 
Até que veio a rebeldia da adolescência. Enquanto adolescente, a música ajudou-me a encontrar o meu espaço e a moldar a minha personalidade. A superar muitas dúvidas e incertezas e a libertar frustração e raiva. Foi a fase do metal mais extremo (que ainda hoje oiço). Quando não me ajudou a encontrar o meu espaço, ajudou-me pelo menos a não me sentir sozinho onde quer que estivesse. 
A vida familiar, anos mais tarde, voltou a apagar o fogo da música, a pô-la em segundo plano. Até que a música contemporânea e clássica entrou em cena há uns bons anos atrás. 
Para mim a música são dois extremos. A brutalidade do metal e a perfeição da música clássica e contemporânea. Têm muito poucas coisas em comum. Provocam-me estados de espírito muito diferentes. 
No metal, não procuro nada. Não recebo nada. Para mim ouvir metal é quase como sintonizar o meu corpo e mente num estado que me permite libertar de muitas coisas negativas. Esta música ajuda-me a encontrá-las dentro de mim e a libertá-las. A tristeza é algo que associo muito a esta música. E quando a oiço não tenho medo de a sentir. 
Na música clássica e contemporânea, sou mais egoísta. Não dou nada de mim. Vou à procura de receber alguma coisa. Enquanto no metal o sentido é de dentro para fora nesta música passa-se o inverso. Com ela procuro descobrir-me, descobrir o que existe dentro de mim. Serve de amplificador de alguns sentimentos, principalmente do amor e da melancolia. Oiço-a para ampliar estes sentimentos, para vivê-los e para os encontrar. Esse egoísmo revela-se também na obrigatoriedade que tenho de a ouvir para escrever. 
Tudo o que escrevo é feito ao som de musica clássica ou contemporânea. E é a única música que oiço quando escrevo. Tudo fica mais nítido. Tudo fica mais à flor da pele. 
E escrever é a única coisa que dou em troca. Nada mais. 

É este o efeito que a música tem em mim. Nada mais. 

3 comentários:

  1. tenho sempre saudades da tua escrita a ela me aquece o coração, lindo

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  2. Belo exemplar!! Felizmente tive o prazer de assistir mtas vezes a esses momentos de concentração onde o metal alternava com a clássica. Saudades!!

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  3. Gosto muito da maneira como escreve e sobre o que escreve.Tem tudo a ver o gostar desses dois géneros de música tão diferentes para o colocarem em lugares igualmente diferentes de estados de alma.Eu adoro escrever mas escrevo melhor quando estou triste mas não preciso de música para escrever, apenas recordações ou inspirações.Só acho estranho a sua relação com a dança não ser boa porque é uma das manifestações mais bonitas do homem e porque penso que seria um bom dançarino.Flamenco? Tango? Nada como tentar.Felicidades

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